sábado, 5 de setembro de 2020

Dois de Maio - Marcos

A primeira providência que Marcos tomou foi procurar outro emprego, um que não fosse tão perto da loja onde conheceu Julia e por onde ele passava todas as tardes. O que doía nele não era vê-la, era não ser visto. Os dois trabalhavam na mesma rua e ele passava seu tempo olhando para a porta esperando que ela passasse por ali, sempre apressada, às vezes falando ao telefone. Parecia que ela queria passar escondida. Mas quando ele passava pela porta dela, ela nunca o via. Talvez Julia não estivesse preocupada em se esconder, apenas estava agindo normalmente e ignorando sua existência. O fato é que Marcos não queria mais pensar nisso; ele só queria parar de vê-la, parar de pensar nela. E deu certo. Seis meses se passaram no novo emprego; nunca mais se esbarraram, nunca mais se viram, nunca mais tiveram notícias um do outro. Não até aquele dia 2 de maio. 

Desde a hora em que levantou, Marcos já sentiu que seu dia daria errado. Foi o sol, e não o despertador, que o acordou. Mau sinal. Estava atrasado. Não adiantava mais pegar ônibus, teve que ser de uber. Péssima escolha pra quem não está com dinheiro sobrando. Quando o uber chegou, Marcos teve mais um sinal de que ele não devia ter saído da cama: era um colega dos tempos da escola, o mais chato de todos e com ótima memória para assuntos constrangedores da adolescência. No fim da viagem, a vontade era avaliar com estrelas negativas mas Marcos sabia o valor daquela avaliação para o colega e resolveu fazer uma boa ação dando a nota máxima com esperança que o universo o retribuísse por isso. 

-Boa tarde Sr Marcos, o Sr dormiu bem? 

Era tudo que Marcos queria: ironia matinal dos colegas de trabalho com quem ele ainda não tinha qualquer intimidade mesmo após seis meses. Só que não. O que ele queria mesmo era recuperar o tempo perdido e tentar terminar o trabalho no mesmo horário. E assim foi fazendo. Quando o chefe chegou (sem ouvir nenhum "boa tarde") era quase imperceptível que um de seus funcionários estava mais atrasado que os outros. Quase. 

-Perdeu o ônibus hoje, Marcos? 

-Na verdade sim, seu João. Meu celular está muito esquisito esses dias, mas eu já arrumei um despertador de verdade pra mim enquanto não troco de celular. 

-Não precisa dar tanta desculpa. Já chegou e tá agilizando aí, né?

-Sim. Corri aqui pra não atrasar.

-Então tudo bem. Se não der tempo, você fica um pouco depois pra compensar.

Não era o que Marcos queria mas, conhecendo o chefe, Marcos sabia que aquela era uma proposta bondosa até demais. Apenas fez sinal de "ok" e sorriu amarelo como quem diz "aceito minha punição". 


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