Próximo do meio dia, Marcos já sabia que não seria boa ideia ir embora no horário apenas porque o trabalho já estava concluído. Mas seu chefe fez questão de deixar isso muito claro:
-Que hora você chegou mesmo, Marcos?
Marcos sabia que era um teste, o chefe sabia muito bem a hora que ele chegou.
-Por volta de oito e quarenta...
-Então meio dia e quarenta você vai embora, né?
-Sim, isso mesmo.
-Tá. Vamos meio dia e meia, porque eu não posso ficar mais do que isso aqui. E aí a gente deixa esses dez minutos pra lá. Você já terminou mesmo, né?
-Ótimo. Obrigado.
Marcos não entendia esse raciocínio. Se o trabalho estava terminado e o chefe ia perdoar dez minutos, porque não perdoar quarenta? Só pelo prazer de punir? Só maldade? Alguma lição profunda que Marcos não conseguia entender? O problema é que Marcos não estava em posição de questionar nada, ele sabia que estava errado.
Sem nada pra fazer e sem os olhos do chefe, que ficava isolado em sua sala, Marcos recorreu ao celular para passar o tempo. A primeira coisa que notou foram três mensagens de áudio de Clara, que levantaram nele uma dúvida gigantesca: quem diabos é Clara? Ao tentar ouvir as mensagens ele descobriu a razão de seu atraso: o celular já não emitia som algum. Quebrado. Marcos decidiu vasculhar o perfil de Clara antes de responder as mensagens, pra ver se conseguia se lembrar quem era a moça. Viu fotos bonitas, vida agitada, nenhum namorado, um perfil interessante. Continuava sem ter ideia de quem era ela. Então Marcos escreveu em resposta:
-Não consigo ouvir áudios, se for urgente peço que escreva.
Depois se arrependeu dessa resposta tão estranha. Mas antes que conseguisse apagar, Clara já estava escrevendo. Aparentemente era urgente sim.
-Marcos, você é a única pessoa que eu achei que conhece a Julia. Ela está no hospital.
Marcos gelou. Era a última coisa que ele esperava. Uma estranha mandando mensagens para falar sobre sua ex. O nome de Julia ainda o incomodava muito. Ele não sabia o que responder.
-Marcos? Você conhece a Julia né? Ela precisa de ajuda.
-Eu conheço sim, mas não nos falamos a muito tempo. Ela é minha ex... O que houve?
-Atacaram o ônibus dela, ela se feriu.
-Como assim "atacaram o ônibus?" Isso é sério? - Marcos começou a desconfiar da história.
-A gente tava indo embora e jogaram uma bomba no ônibus, uma garrafa com fogo, não sei. E agora estamos no hospital.
Marcos tinha certeza de que era uma piada.
-Quem atacaram? Bomba no ônibus? Fala sério.
-Marcos, eu não sei. A gente só estava lá e de repente o motorista perdeu o controle e começou a pegar fogo. Você vem ou não? Se não vem fala logo. Pelo menos me passa o contato de alguém que possa vir.
-Eu não tenho contato de ninguém da família dela não. Mas é só você procurar no perfil dela aí. Nas fotos vai ter marcado alguém. - Depois de mandar essa mensagem Marcos tinha certeza de que a história estava mal contada porque a solução que ele sugeriu era muito óbvia.
-Ela não tem rede social nenhuma, você sabe.
Marcos não sabia. Ele acreditava estar bloqueado por Julia, não sabia que ela tinha apagado todas as suas redes sociais quando terminaram. Marcos parou de novo. Seu coração batia muito rápido, sua cabeça começava a pesar. Era meio dia e quinze, seu chefe se aproximou e, enquanto tomava fôlego pra dizer o que pretendia, notou que Marcos não estava bem.
-Marcos! - gritou para chamar atenção do funcionário que parecia dormir com os olhos abertos - Tudo bem? Algum problema aí?
Marcos não esboçou qualquer reação.
-Ou? Marcos? Tá bem, meu filho? Marcos? - dessa vez cutucou enquanto falava.
Finalmente Marcos se assustou.
-Oi? Ah, sim. Tudo bem. É que aconteceu um negócio aqui... Quer dizer, eu não sei se aconteceu mesmo. Uma história muito estranha. Estão falando que atacaram um ônibus.
-Sim, passou no jornal agorinha. Jogaram um coquetel molotov num ônibus, foi uma desgraceira. Muita gente machucada. Parece que o motorista morreu. Só matando um vagabundo que faz uma merda dessa.
A cara de espanto que Marcos fez diante da confirmação fez seu chefe entender na hora.
-Você conhece alguém que estava no ônibus?
-Sim, minha namorada estava no ônibus, ela está no hospital.
-Nossa! Então vai pra lá agora, tá esperando o quê? Aliás, vamos. Eu te levo.
Marcos ainda não tinha decidido se queria ir ao hospital mas depois de dizer 'minha namorada', ele ficou constrangido de negar a oferta do chefe. Não restou opção a não ser ir de carona ao hospital. Marcos apenas mandou uma ultima mensagem para Clara:
-Estou a caminho.
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